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07/03/2017 (10H00)

Estudantes do ‘Ginásio’ fazem manifesto em favor de aluna impossibilitada de estudar por falta de intérprete de libras

Aluna do 3º ano está sem o tradutor de linguagem de sinais desde o início das aulas.
Diretoria de Ensino de São Carlos chegou a escalar intérprete para a estudante,
mas profissional alegou que teria feito o curso de libras pela internet e não sabe
se comunicar com a deficiente auditiva. MP abriu Ação Civil Pública
contra o Estado para garantir o direito da adolescente de estudar.



Estudantes seguram cartaz com a frase "#Queremos #Alguem #Que #Saiba #Libras" defronte o Ginásio Escola


Os alunos do 3º ano do Ensino Médio da Escola Estadual José Ferreira da Silva – o "Ginásio Escola" - realizaram um protesto na manhã desta segunda-feira (6) para a chamar a atenção da Diretoria de Ensino de São Carlos, que segundo os alunos, está sendo incapaz de resolver um problema vivenciado desde o inicio do ano por uma colega de classe, que é deficiente auditiva e necessita do acompanhamento de um interprete de libras [Linguagem Brasileira de Sinais] para se comunicar com os professores e aprender as matérias ensinadas na sala de aula.

Assim como os demais alunos da sua sala, Jessie Albieri, de 16 anos, está cursando o último ano do ensino médio, período crucial para a formação dos estudantes que normalmente prestam as provas do ENEM no final do ano para ingressar em uma faculdade. Ocorre que desde o início das aulas, no dia 2 de fevereiro, Jessie não conseguiu participar ativamente de uma única aula sequer, em razão da falta de um intérprete que faz a tradução simultânea das matérias aplicadas na sala de aula. Desde a 6ª série do Ensino fundamental, Jessie sempre contou com o acompanhamento de um professor especializado em libras.

O manifesto desta manhã ocorreu justamente em razão da Diretoria de Ensino da Região de São Carlos não ter conseguido garantir o direito da aluna de contar com um intérprete durante as aulas, mesmo com quase 40 dias do início das aulas. De acordo com os alunos, a ideia do manifesto é a de sensibilizar as autoridades para que o caso seja resolvido com brevidade e em definitivo.

"PROFESSOR DE HISTÓRIA, NÃO DE LIBRAS" - Segundo o que foi apurado pelo DESCALVADO NEWS, o problema teve início com a troca do professor que acompanhava a aluna desde a sexta série. A Diretoria de Ensino da Região de São Carlos escalou um intérprete residente na cidade de Araraquara, para acompanhar a aluna diariamente na sala de aula. Ocorre que o professor destacado é formado em história, mas também teria inserido em seu currículo que possui o curso de libras, motivo pelo qual o sistema de pontuação que faz as atribuições de aulas para os municípios da região de São Carlos, selecionou o professor para a função.

Ainda de acordo com o que foi apurado pela reportagem, ao tomar conhecimento da atribuição como intérprete de libras, o próprio professor teria alertado que ele não detinha a prática necessária para acompanhar a aluna, uma vez que o certificado de libras que ele possui foi conquistado em um curso feito pela internet.

Jessie é acompanhada por uma intérprete desde o 6º ano do Ensino Fundamental, e possui enorme fluência em libras. A aluna é considerada pelos amigos e professores umas das mais dedicadas da turma. Em seu currículo, a estudante coleciona uma grande quantidade de notas altas.

Porém, uma mudança na regulamentação do sistema que faz as atribuições dos professores que não são concursados mas prestam serviço para o Estado, fez com que a Diretoria de Ensino escalasse outro intérprete para o ano de 2017.

De acordo com a família de Jessie, o professor de Araraquara teria confirmado que o curso de libras que ele possui foi feito pela internet, e não o qualifica para a função de intérprete na rede pública de ensino. Os amigos da estudante também confirmam a incapacidade do professor. “Ele veio uma ou duas vezes eu acho, e ficou lá sentado ao lado dela sem fazer nada. Ela sabe escrever, então tinha como ele se comunicar com ela, porque que eu também não sei libras, mas eu soletro ou escrevo pra ela, e ela me responde ou vai me ensinando os sinais. Ele tem esse certificado com as horas [do curso de libras], só que ele é professor de história e não sabe nada de libras”, disse a estudante Geovanna Piristrello, de 17 anos.

“Estudo com a Jessie desde o primeiro colegial. A intérprete que acompanhava ela até o ano passado fazia um ótimo trabalho. Ela sabia interagir com a Jessie e com a gente também. Foi ela inclusive que ensinou a Jessie e os amigos a linguagem de sinais. Acontece que outro professor que não sabe libras pegou as aulas, e agora ele não vem!”, relatou a amiga Julia Mariano, de 16 anos.

DIRETORIA DE ENSINO TERIA SIDO COMUNICADA DO PROBLEMA ANTES DO INÍCIO DAS AULAS – A redação do site já havia tomado conhecimento do caso da estudante Jessie Albieri, no início do mês de fevereiro. O próprio professor de História procurou o DESCALVADO NEWS para falar sobre o problema e a sua preocupação com o aprendizado da aluna. Porém, um dia depois de conversar com a nossa equipe, o professor solicitou que o seu depoimento não fosse publicado.

Em contato com a Diretoria de Ensino de São Carlos, no dia 3 de fevereiro, questionamos sobre o problema da aluna estar sendo assistida por profissional incapacitado para a função. A nota assinada pela Dirigente Regional de Ensino, Débora Gonzalez Costa Blanco, traz a seguinte explicação:

“No mês de setembro de 2016 o Professor Sérgio de Caires Pinheiro Junior fez sua inscrição no Sistema de Gestão Dinâmica da Administração Escolar - GDAE. Trata-se de Sistema informatizado, via internet. O professor Sérgio fez a inscrição para ministrar aulas como Interlocutor - LIBRAS com senha pessoal e indicou possuir qualificação para ministrar tais aulas. Assim, o Professor Sérgio foi classificado para participar da Atribuição de Aulas.

No dia 30/01/2017 o Professor Sérgio participou do processo de Atribuição de Aulas e ao mesmo foram apresentadas aulas de Interlocutor - LIBRAS, na cidade de Descalvado. O professor Sérgio de livre vontade manifestou interesse pelas aulas e as mesmas foram atribuídas.

Todos os procedimentos foram embasados na Resolução SE 72, de 22-12-2016 que dispõe sobre o processo anual de atribuição de classes e aulas ao pessoal docente do Quadro do Magistério.

Quanto às afirmações do Professor Sergio sobre sua incapacidade técnica e consequente prejuízo à aluna, todas as providências administrativas e criminais estão sendo tomadas pela Diretoria de Ensino de São Carlos junto aos respectivos órgãos competentes.”

Para o estudante Micael Junior dos Santos, de 16 anos, o problema todo teve origem na própria Diretoria de Ensino. “Segundo esse intérprete que veio, ele foi forçado pela Diretoria de Ensino pra pegar as aulas, porque ele tem o curso de libras, mas dá aula de História. Aí a Diretoria [de Ensino] obrigou ele a pegar [a função de intérprete]”, disse o aluno.

Ainda segundo o aluno, a Diretoria de Ensino até concordou que a antiga intérprete volte a acompanhar Jessie, mas de forma eventual. “A Diretoria de Ensino quer que ela trabalhe como eventual, não como a intérprete da sala!”, disse Micael.


Jessie Albieri: "O surdo nao é mudo, não é alienado mental e
também não é uma cópia mal feita do ouvinte. Quero um intérprete que
saiba libras... que não tire de mim o direito que eu tenho de aprender"

“Ele veio no dia dois e no dia três [de fevereiro], o resto ele faltou ou mandou atestado. A Pollyana [ex intérprete de Jessie] até veio cobrir as faltas dele, mas não compensa, ela recebe como eventual, ganhando bem menos e não tem direito a férias, a nada, enquanto o outro vai pegando licença médica e ganhado normalmente, tendo direito a tudo, então não compensa pra ela entendeu?” explicou Geovanna.

“Se você perguntar para qualquer professor, eles vão confirmar o quanto a Pollyana colabora na educação da Jessie”, complementou Julia após a explicação da amiga Geovanna.

De acordo com o grupo de alunos, tanto os professores como a direção do ‘Ginásio’ estão sensibilizados com a precariedade com que a estudante vem sendo assistida, mas não há muito a ser feito. “O problema não é aqui, é lá na Diretoria [de Ensino] de São Carlos. A Pollyana estudou pra ser intérprete, ela é muito boa nisso, e alguma coisa precisa ser feita, porque a Jessie não pode ficar mais nessa situação de abandono”, conclui o estudante.

Os amigos encerraram o depoimento à reportagem do DESCALVADO NEWS falando de um texto que Jessie postou no final do mês de fevereiro [veja ao lado], onde ela demonstrou a sua insatisfação diante da situação que tem vivido. “Ela está muito triste, muito desanimada com tudo isso. Ela postou um texto no Facebook , falando que ela não era alienada, que ela tinha o direito de aprender, e todo mundo ficou sensibilizado. Até alguns professores chegaram a manifestar apoio na postagem. Querendo ou não, ela vai se sentir diferente entendeu?”, finalizou.

MÃE INDIGNADA – A reportagem do DESCALVADO NEWS também conversou com a mãe de Jessie, a dona de casa Roselaine Sartinine Albieri, de 40 anos. A mãe da estudante relatou que soube que a filha teria problemas com o professor de libras logo no primeiro dia de aula. “Mandaram esse

intérprete, que é professor de história, e como ele falou pra mim que tem o ‘papel’ com as trezentas horas do curso de libras, mas ele me disse e pra todo mundo lá da escola, que ele não sabe nem o alfabeto [de libras]. Então ele não poderia ‘tá’ ajudando em nada a Jessie!”.

Segundo a mãe da deficiente auditiva, o professor chegou a procurar a Diretoria de Ensino para expor o problema, mas ele teria sido informado que caso não pegasse as atribuições como intérprete, ele poderia perder inclusive o seu contrato como professor de História. “Ele teve que pegar as aulas porque senão ele não poderia mais dar aulas de História ‘pro’ Estado, por ele não ter aceitado ser intérprete dela. Então quando ele fala que foi uma pressão que foi feita pra ele pegar [a função de intérprete], existe mesmo isso, só que o erro dele foi ter colocado na sua inscrição que tinha o curso de libras”, explicou.

Ainda de acordo com a mãe da aluna, ela chegou a ir pessoalmente na Diretoria de Ensino para tentar uma solução para o caso, mas foi informada de que a filha estava com o melhor intérprete da região. “Eu fui lá em São Carlos e falei com o Edvaldo, que é o responsável por toda essa parte nas escolas da região, e ele falou pra mim que tinha contrato o melhor, que no papel, esse era o melhor! Aí eu falei que não quero no papel, eu quero na prática, porque minha família fala sinais fluentemente, então eu tenho que ter um intérprete que esteja no nível que ela está, porque senão vai prejudicar o último ano dela. Tem ENEM, tem faculdade pra frente! E aí ele falou que não podia fazer mais nada!”, desabafou a mãe.

A mãe de Jessie também confirmou para o DESCALVADO NEWS que chegou a ouvir do intérprete que ele viria apenas 2 dias para Descalvado, e depois apresentaria atestado médico para justificar a sua ausência. “Ele falou pra mim que viria apenas os dois primeiros dias, e depois ia entrar com atestado [médico]. Aí viria mais um dia e apresentaria novo atestado. E é isso que ele tá fazendo! E a Jessie não conseguiu assistir uma única aula até agora!”, contou.

“Eu penso que minha filha tá perdendo muitas oportunidades. Tá perdendo muito conteúdo e isso vai prejudicar ela. Eu espero que a justiça seja feita, porque é difícil a gente ver um filho da gente sofrendo preconceito, porque pra mim é isso que estão fazendo com ela! Isso está prejudicando o emocional dela, porque até sem comer ela ‘tá’ ficando, e agora nem na escola ela quer ir mais!”, falou com indignação a mãe da aluna.

Dona Roselaine relatou ainda que a situação chegou ao extremo de ouvir do representante da Diretoria de Ensino, de que a filha precisaria ter paciência e ensinar o intérprete a linguagem de sinais. Segundo ela, foi neste momento que a decisão de procurar a ajuda do Ministério Público foi tomada. “A sua filha vai ter que ter paciência pra ensinar o intérprete! Foi aí que eu resolvi procurar a Promotora”, concluiu a mãe, explicando ainda que somente depois que a Promotora de Justiça entrou em contato com a Diretoria de Ensino, é que a filha passou a receber o acompanhamento da ex intérprete por alguns dias, contratada de forma eventual e por um curto período.

JESSIE – Com a ajuda da mãe, a estudante também conversou com a nossa reportagem. A estudante não conseguiu esconder [mesmo diante da impossibilidade da fala] o quanto todo este episódio tem lhe deixado entristecida.

Questionada sobre o que ela está achando de todo este episódio, Jessie contou por meio da linguagem de sinais que ‘está achando tudo isso que está acontecendo muito errado, que não poderia estar ocorrendo, e que ela precisa da libra para aprender, porque quando o professor explica para a sala ela necessita do intérprete para também aprender’.

A estudante disse ainda estar muito triste com o que vem ocorrendo com ela, ‘e que o seu maior desejo neste momento é que tudo se resolva o mais rápido possível para que ela volte logo para a escola e continue aprendendo junto com os amigos’. Sobre a manifestação de apoio, Jessie disse que ficou muito feliz ao saber da atitude dos amigos, no qual demonstraram o quanto se preocupam com ela. 

MINISTÉRIO PÚBLICO – Para o DESCALVADO NEWS, a Dra. Deborah Benatti, 2ª Promotora de Justiça da Comarca de Descalvado, explicou que ajuizou uma Ação Civil Pública contra o Estado tão logo tomou conhecimento do caso. “O Ministério Público tem como atribuição a defesa dos direitos do adolescente. Neste caso, além de adolescente, ela ainda é portadora de uma necessidade especial, e eu na qualidade de Promotora de Justiça com atribuição na Infância e Juventude, eu entrei com uma Ação Civil Pública em favor dela. Eu fiz desta forma para que ela não precisasse passar por uma triagem na OAB, que seria muito mais demorado, e até o advogado se inteirar do assunto, desta forma foi mais rápido. Tão logo ela veio e trouxe os documentos, eu já ajuizei a ação. Como a questão era delicada e de urgência, o Ministério Público fez o que lhe competia, e o problema agora está no judiciário para uma decisão do juiz.”

A Promotora ainda explicou que apesar da urgência, o processo ajuizado tem que seguir toda uma tramitação prevista para o caso. “Ocorre que até aquele momento, não tramitava absolutamente nada no judiciário sobre este caso. Eu entrei com a ação contra o Estado no dia nove de fevereiro, inclusive com pedido de tutela de urgência, que é a tutela que o juiz analisa antes de qualquer outra situação, porque há um perigo, há um risco iminente dela perder as aulas, e isso é irreversível. Para o conteúdo didático, isso é irreversível”, explicou a Dra. Deborah.

“Eu também arrolei testemunhas, porque pra mim ficou muito claro a situação dela. Eu sei qual é o direito dela e o que estão fazendo com ela na escola. Caso o juiz tiver duvidas sobre o que eu narrei na ação, essas testemunhas podem demonstrar pessoalmente para ele qual é a real situação dela. Ocorre que o juiz aplicou, com base em um artigo da Lei 8.437, de 1992, no qual estipula que qualquer liminar que seja dada contra a Fazenda Pública, ela tem setenta e duas horas para se manifestar. Só que estas setenta e duas horas são a partir da citação da Fazenda Pública, porque o que demora é citação, e não o prazo estipulado pela Lei. Por conta disso, a manifestação da Fazenda Pública ainda não retornou, e o juiz não deve falar nada enquanto isso não acontecer”, explicou a representante do MP.

Sensibilizada pela demora, Dra. Deborah relatou que na última sexta-feira (3), voltou a solicitar do judiciário uma


Dra. Deborah Benatti: "Há um perigo, há um risco iminente dela perder as aulas, e isso é irreversível. Para o conteúdo didático, isso é irreversível”

solução mais rápida para o impasse. “Eu realmente, sentida e penalizada com a situação dela, sabendo o quão inteligente e comprometida ela é com os seus estudos, e baseada na Constituição Federal que é clara quando diz que ela precisa ser assistida de forma digna, e ela não está sendo incluída de forma digna, uma vez que ela fica na sala e não consegue entender o que está sendo passado, fiz uma nova petição na última sexta-feira, explicando que o cumprimento deste artigo estava demorando muito e indagando o que poderia ser feito para isso ser agilizado. Expliquei também que ela está sem dignidade em sala de aula, está sem tradutor, que está perdendo aula, ou seja, relatei tudo o que está acontecendo, além de arrolar mais uma testemunha. Enfim, tudo aquilo que é possível fazer, nós estamos fazendo. A demora infelizmente faz parte do trâmite do processo judicial. É obvio que isso causa prejuízo, tanto que peticionei explicando para o juiz que ela está sofrendo e que este sofrimento não é uma coisa normal para a condição dela. Então estamos aguardando uma manifestação posterior do juiz, e de repente ele possa entender de forma diferente e tomar algum outro tipo de decisão que possa agilizar a citação da Fazenda Pública”, concluiu a Promotora de Justiça.
 

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