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08/02/2018 (06H39)

A arte de leiloar não se
vende e nem se compra

João Antonio Gabriel, um dos leiloeiros rurais mais admirados do país, fala sobre
os lances mais emocionantes da carreira e da vida pessoal; Profissional com mais de 40 anos de atuação também relembrou que comandou seu segundo leilão em Descalvado.

“Agraciado por Deus, digno de apreço”, esse é o significado do nome João Antonio. Já Gabriel, quer dizer “Enviado de Deus”. Esses são os nomes e sobrenome do leiloeiro rural João Antonio Gabriel. Um dos profissionais pioneiros na batida do martelo no Brasil, com mais de 40 anos de atuação no mundo dos leilões. Uma pessoa religiosa, muito grata a Deus pelo trabalho, família, saúde e amigos. Um homem de caráter nobre e dedicado à sua vocação. Difícil encontrar algum pecuarista que não conheça e admire o trabalho do João Gabriel.

Mas, o que nem todos sabem é que além de uma carreira profissional bem sucedida, João Gabriel tem uma trajetória de vida emocionante. “Nada é mais importante que a família. O começo da gente é a família e o final de nossas vidas é com a família. Por isso, todo homem precisa trabalhar, mas acima de tudo ter para onde e para quem voltar”, contou.

João Antonio Gabriel tem 63 anos de idade e é natural de Avaré (SP). Filho de Madalena Almeida Gabriel e de Trajano Gabriel, é o caçula de uma família de cinco irmãos criada no município de Taquarituba, no interior paulista. Pertencente à quarta geração de uma família com raízes rurais, seu pai foi fazendeiro, tropeiro, boiadeiro e desde criança

João foi o grande companheiro do pai na lida do campo. “Meu pai foi um homem simples e que conquistou ao lombo de burros muitas coisas. Formou uma família linda e faleceu quando eu tinha 16 anos. Apesar de ter perdido meu pai cedo, ele me deixou grandes heranças. Honradez, honestidade, amor pela natureza, pelos animais e pela família estão entre as principais riquezas. Falar do meu pai é falar de uma pessoa justa, transparente, caridosa e honesta”, diz João Gabriel.

Já a mãe de João Gabriel tinha uma loja de confecção de roupas e foi com ela que aprendeu a ser um bom vendedor. “Minha mãe era uma ótima vendedora, atenciosa, carinhosa, sabia cuidar dos clientes e tinha boa lábia. Um dia ela me falou que o difícil era o cliente entrar na loja, depois disso o segredo é trabalhar para não deixá-lo sair sem comprar nada (rsrs). Isso serve para mim, foi uma lição importante que transportei para minha carreira de leiloeiro. Quando entra um lote, não desisto. Vou até o final, vendo para um ou para outro, e sempre buscando a valorização máxima de cada produto ofertado. Assim como meu pai, ela me criou nos princípios da honradez e era uma pessoa muito amorosa”, recorda João Gabriel.

Na mesma cidade em que foi criado e que possui tantas recordações da infância, João Gabriel reside com a esposa Vera Lúcia e com os dois filhos, Trajano Benito e Tássio José. “Minha família é maravilhosa. Sempre me apoiou em tudo. Minha esposa é o nosso grande esteio. Ela é formada em administração de empresas e cuida de toda a parte financeira dos nossos negócios. Meu filho mais velho é engenheiro civil e o caçula é publicitário. Eles são o que tenho de mais precioso. Família é tudo”, conclui João Gabriel.

Ao destacar a importância de um homem ter um trabalho na vida e se sentir realizado profissionalmente, João Gabriel faz questão de reforçar algo que considera indispensável: ter “para onde e para quem voltar”.  Nessa parte da entrevista, ele menciona um poema de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1942, chamado: “E agora, José?”, que inicia da seguinte forma: “A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? E agora, você?…” O poema traduz o sentimento de solidão, de falta de esperança, de uma pessoa perdida na vida, carente de tudo e sem saber que caminho tomar. Um poema com reflexões existencialistas e que são uma verdadeira lição de vida.

“Como criador, eu sou apaixonado, caprichoso, perfeccionista e busco sempre aprimorar o meu rebanho, que não se destaca pela quantidade, mas sim pela qualidade”, disse João Antonio Gabriel. O plantel da JB Agropecuária é composto por muares, jumentos pêga, cavalos Quarto de Milha e Paint Horse e também bovinos da raça Nelore. A propriedade denominada Fazenda Santa Maria é uma homenagem às duas avós de João Gabriel: Ana Maria e Maria Paulina. Já a escolha do sufixo do gado foi feita pela criadora de Nelore Cláudia Junqueira, que sugeriu o nome GABI.

Como pecuarista, leiloeiro e apaixonado pelo campo, João Gabriel reconhece a importância do trabalho realizado pelos produtores brasileiros e sente-se indignado diante de críticas constantes e da falta de conhecimento e reconhecimento de uma classe produtiva tão batalhadora e importante para a economia nacional. “Eu tiro o chapéu para os nossos criadores. Tiro o chapéu, tiro a camisa… Esse povo sofrido, batalhador, que trabalha embaixo de sol e chuva, dia e noite… Esses heróis que, infelizmente, não têm a devida atenção e respeito. Olha, ser produtor no Brasil, seja de proteína animal ou de grãos, é um sacerdócio! É uma classe pouco reconhecida e muito criticada. Amo esse povo do fundo da minha alma e peço a Deus que dê a eles fortaleza, paciência e coragem para seguirem alimentando o mundo”, desabafa João Gabriel.

“Temos o maior rebanho bovino comercial do mundo e o maior número de leilões do mundo. A vida da gente é uma sequência de oportunidades. Os leilões de corridas de cavalos foram um trampolim para eu ser um leiloeiro rural.  Hoje, após mais de 40 anos na ativa aprendi muitas coisas. Uma delas é que ninguém voa com uma asa só. Um depende do outro. Assim como tive grandes mestres, procuro ser um bom professor para a nova geração de leiloeiros”, relata.

Antes de se tornar leiloeiro rural, João Gabriel foi leiloeiro de corridas de cavalos, em Taquarituba (SP). Por intermédio de um criador (Antonio Carlos Quartim Barbosa) conheceu Sérgio Piza, fundador da Programa Leilões, que o convidou a ingressar na empresa. João aceitou o convite, mas com uma condição: antes de ingressar ao time de leiloeiros, passar por todos os setores da empresa. E assim foi feito. Manejo, escritório, pista, assessor e representante da diretoria. Ajudou a implantar as filiais da Programa Leilões, no estado do Paraná, e só após adquirir experiência e conhecer todos os trâmites da empresa iniciou oficialmente a carreira de leiloeiro rural. “Seu Sérgio Piza foi uma pessoa extremamente importante. Me levou para a Programa Leilões e me transformou num grande profissional”, diz João Gabriel.  Seu primeiro remate foi em 1977, na cidade de Araçatuba(SP). Depois veio Descalvado, Avaré… E por aí vai.


A estréia do João Gabriel como leiloeiro rural foi
nesse leilão realizado em Araçatuba (SP), em 1977


Em Descalvado, João Gabriel
comandou seu segundo leilão

Como todo iniciante, João Gabriel contou com a ajuda de pessoas que já tinham experiência no setor e destaca dois grandes mestres do martelo: Trajano Silva eAntônio Carlos Pinheiro Machado. “Sou muito grato à essas duas pessoas sensacionais, que me ensinaram e me acolheram tão bem. Foi com eles que aprendi a maneira correta de leiloar e todas as técnicas necessárias para crescer, conquistar cada vez mais espaço no setor e nunca perder a humildade”, afirma João Gabriel.

Passados mais de 40 anos desde o seu primeiro leilão em Araçatuba, João Antonio Gabriel já comandou remates em praticamente todos os estados brasileiros (exceto Roraima e Amapá) e em alguns países vizinhos. Chegou a fazer mais de 200 leilões por ano. Hoje, por escolha própria, deu uma reduzida no ritmo de trabalho e em sua agenda anual constam, em média, 80 remates. “A gente tem fases na vida. Quando somos jovens os valores são uns. Depois, com o passar do tempo, acredito que a cada 10 anos nossos valores e conceitos mudam. Hoje, estou num estágio da vida que olho para trás e vejo que já vivi muito mais do que vou viver. Então, eu tenho que curtir mais a família, os amigos, aproveitar as experiências adquiridas e pedir a Deus para que eu tenha saúde para repassar tudo o que eu aprendi à nova geração de leiloeiros rurais, que terá a incumbência de dar continuidade à essa brilhante profissão. Ou seja, sinto que estou naquela fase de professor e conselheiro”, diz João Gabriel.

Recordações e boas histórias não faltam nessas andanças pelo Brasil afora. Um dos momentos mais  marcantes foi em 2001, quando ele vendeu a primeira vaca da raça Nelore recordista mundial de preço, ao ser comercializada por R$ 500 mil. Nisha 16 DC TE, rês com menos de dois anos, foi vendida no Leilão da Fazenda Cachoeira 2C para a Unimar, Universidade de Marília. “Foi um momento inesquecível que coroou o meu trabalho e marcou uma nova fase para o Nelore brasileiro. Confesso que fiquei apreensivo porque não sabia se a pessoa que estava lançando tinha mesmo a noção de que eram 14 parcelas e a compra totalizaria meio milhão de reais. Foi uma festa muito grande. Estavam na disputa final o criador Serafim Meneguel e a Unimar. E foi a Universidade de Marília que deu o último lance”, recorda João Gabriel.

Após a venda da Nisha muitos outros recordes foram batidos e João Gabriel se orgulha de ser o único leiloeiro do mundo a comercializar 15 vacas acima de US$1milhão.

Por toda a sua competência, dedicação e amor pela profissão, João foi diversas vezes homenageado. Em 1997, por exemplo, recebeu o Martelo de Ouro dos Criadores de Nelore. O ator global Antonio Fagundes, que na época atuava como o pecuarista Bruno Mezenga, protagonista da novela “O Rei do Gado”, foi o responsável pela entrega solene.

Outras homenagens comprovam a importância do leiloeiro João Gabriel para a pecuária brasileira. Entre elas o troféu “Touro de Ouro”, conquistado sete vezes e instituído pela revista AG Leilões e Sociedade Rural Brasileira como melhor leiloeiro do Brasil. O prêmio “As melhores da Dinheiro Rural” na categoria personalidade do setor de leilões e o diploma de mérito pecuário da ABCZ  (Associação Brasileira dos Criadores de Zebu) pelos relevantes serviços prestados à pecuária nacional, são outras conquistas relevantes.

A lista de amizades é extensa. Muitas relações são tão fortes que chegam a ser consideradas irmandade. É o caso do leiloeiro Nilson Genovesi e Paulo Horto,presidente da Programa Leilões. “O Nilsinho sempre foi um grande companheiro, uma pessoa extraordinária, inteligente, conselheira e detentora de um raciocínio surpreendente. O Paulo Horto, pra mim, é mais do que um irmão. É um


Reconhecimento: João Gabriel recebendo o
'Martelo de Ouro' pelas mãos do ator Antonio Fagundes

homem enérgico, atarefado, ansioso, mas com um coração gigante e trabalhador ao máximo. Oro todas as noites e peço a Deus para abençoar a vida dele. O Paulo Horto é a árvore que me dá sombra todos os dias”, afirma João Gabriel.

“Não me considero melhor do que ninguém. As vezes me questionam como me sinto em saber que o meu trabalho é tão importante para a pecuária. Eu respondo que na verdade é a pecuária que é importante pra mim. Sou apenas um grão de areia diante da grandeza desse setor”, contou.

Ao olhar para trás e recordar todas as lutas e conquistas, João Gabriel não se arrepende de nada. Tudo que vivenciou valeu a pena! “Eu me considero uma pessoa realizada e acho que tudo que vivi até aqui valeu a pena. Tive uma experiência de vida maravilhosa. Sempre procurei fazer tudo com muito amor e carinho. Portanto, não me arrependo de nada. Nem das coisas boas e nem das coisas erradas. Os erros serviram de lição. E as coisas certas não passaram de obrigação”.

Muito além de uma voz bonita, boa dicção e fôlego, um leiloeiro rural precisa ter tino comercial, raciocínio rápido e muito conhecimento para explorar o que o animal tem de melhor tanto em termos de pedigree como conformação. “Para os interessados em ingressar nessa profissão eu aconselho a não pensar no que ela vai render financeiramente. O mais importante é aprender e estudar muito, conversar com os colegas de trabalho, vendedores, compradores. Ser uma pessoa humilde e acima de tudo amar o que faz e amar os animais. Lembrando que cada dono de leilão é um patrão novo. Não existe profissão com maior número de patrões do que essa. Leilão é emoção e razão. Não adianta ser mercenário. Ao invés de pensar em ganhar dinheiro, a nova geração de leiloeiros rurais deve executar seu trabalho com amor e carinho. E ser grata a todos os envolvidos nos remates”, aconselha João Gabriel.

Do primeiro ao último leilão realizado, João Gabriel mantém um ritual antes de subir ao púlpito. “Nunca subi ao palanque sem antes encontrar um cantinho para fazer uma oração. Agradeço, em primeiro lugar a Deus. Depois agradeço os criadores, os tratadores, os compradores e todas as equipes de profissionais que prestam serviços aos remates”, revela João Gabriel.

João Gabriel foi o primeiro leiloeiro a comandar os leilões virtuais transmitidos pelo Canal Rural. “Foi na época em que o Dr. Afonso Mota era o presidente da emissora que gravamos o primeiro piloto. Hoje, essa modalidade já está consolidada e é mais uma opção para fazer negócios. Desde que as transmissões ao vivo foram iniciadas no Brasil, passamos a englobar países de toda a América Latina. A internet também veio somar e a plataforma digital do Canal Rural vem se adequando constantemente às necessidades do mercado”, explica João Gabriel.


João Gabriel foi um dos leiloeiros que comandou a rodada virtual de negócios da Fazenda Guadalupe, em 2017

A pergunta final: João Gabriel, você pensa em parar de leiloar? “Eu penso sim em parar de leiloar. Tá chegando a hora. Os compromissos continuam surgindo, mas chegará um momento que terei que pendurar a chuteira e o martelo. Sinto que esse dia não está tão distante assim. Mas quando isso acontecer, eu quero fazer uma despedida bonita, com um leilão beneficente no qual minha comissão será totalmente doada ao Hospital do Câncer. E de forma simbólica passarei o martelo a um jovem leiloeiro que esteja ingressando na profissão e que tenha os princípios necessários para ser um grande profissional”, respondeu o leiloeiro.

Os amantes do agronegócio e, principalmente, dos leilões ficarão na torcida para que o bastão do rei das marteladas demore bastante a mudar de mãos e que o João Antonio Gabriel possa seguir a vida Tocando em frente”. A música composta por Almir Sater e Renato Teixeira é a trilha sonora que melhor representa a vida desse ilustre leiloeiro rural!

*Fonte: Canal Rural (Fotos: Acervo Pessoal)
 



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