de casos onde a integridade física de
quem foi envolvido na boataria ficou comprometida, ou ainda em casos mais extremos,
acabou
levando até morte de uma ou mais pessoas.
Ainda que cercado de boas
intenções, o gesto de compartilhar boatos web afora pode ter
desdobramentos trágicos. Em maio de 2013, a foto de uma suposta
sequestradora de crianças correu os celulares do Guarujá e de outros
municípios da baixada santista. Reconhecida na rua, a mulher acabou
brutalmente agredida por uma multidão furiosa, que a matou sem chances
de defesa. A vítima, porém, era inocente.
Esses boatos, via de
regra, são histórias que já circulam há anos, sofrendo apenas pequenas
alterações. Relatos de um homem vestindo determinados trajes atacando
mulheres em praças ou logradouros públicos, por exemplo, já passou por
várias cidades, inclusive Descalvado.
Um dos principais
desafios é descobrir a origem de cada história falsa. Muitas vezes,
diante da infinidade de compartilhamentos, fica quase impossível
detectar quem foi o primeiro a postá-la. Em geral, contudo, é após a
divulgação por um perfil ou página mais acessado que a mentira ganha
maiores proporções.
Foi o que ocorreu no
Guarujá. Uma conta no Facebook que se propõe a publicar notícias da
cidade passou adiante um retrato falado, referente a um caso de 2012,
como se fosse ligado aos sequestros das crianças — inexistentes,
inclusive. Mesmo apagada horas depois, a postagem já tinha feito seu
estrago. E, a despeito do desfecho trágico, o simples ato de
compartilhar pode virar caso de polícia.
CASO RECENTE EM
DESCALVADO - Um caso parecido
com o que aconteceu no Guarujá está sendo apurado em Descalvado, quando a pouco menos de
duas semanas, um roubo ocorrido em uma residência do Bairro Tamanduá -
onde houve também uma tentativa de estupro de uma mulher de 43 anos -,
deixou a vítima bastante traumatizada e a população em estado de alerta.
Ocorre que após passar a descrição do agressor à Polícia [que
imediatamente deu início as investigações que acabou levando os
policiais até um homem suspeito], algumas fotos começaram a circular
pelo WhatsApp de praticamente todos os celulares da cidade.
De acordo com
informações da própria Polícia Civil, o homem acabou não sendo
reconhecido pela vítima, porém a sua imagem e a falsa afirmação de que
ele era o autor deste e de outros crimes, já havia se espalhado. Além dele, outras duas
imagens de suspeitos acabaram caindo na rede de boataria, e também
causou sérios transtornos àqueles que da noite para o dia, tiveram
o seu nome ou a sua imagem ligados à prática de crimes.
Uma dessas pessoas que
teve sua foto compartilhada no aplicativo de mensagens instantâneas [e
posteriormente no Facebook], acabou procurando o Ministério Público
nesta quinta-feira (18), na tentativa de obter ajuda e orientações de
como se proteger dos boatos. "Ele não está saindo de casa e não está
mais trabalhando, porque tem medo de ser abordado pela polícia em razão
disso. O homem também relatou estar com muito medo de sofrer uma
agressão por alguém na rua, alguém que possa ter acreditado que ele
teria feito uma coisa no qual ele afirma não ter nenhuma participação.
Isso é um sério risco para a pessoa que teve seu nome ou a sua imagem
divulgada e compartilhada de forma falsa", afirmou a Promotora de
Justiça local, Dra. Mariana Fittipaldi.
RESPONSABILIDADE CIVIL
E CRIMINAL - "A pessoa que iniciou
tudo isso, assim como aqueles que ajudaram a divulgar ou simplesmente
compartilharam, principalmente por meio do Facebook ou do WhatsApp, e
sabendo que a informação poderia ser falsa, colaborou para fomentar este
boato, já que não existe qualquer prova de que a pessoa cometeu algum
crime. O responsável pela postagem ou pelo compartilhamento pode
responder civilmente, tendo que ressarcir a vítima por danos morais e
materiais, e responder, inclusive, criminalmente por difamação e
calúnia" explicou a Promotora de Justiça ao comentar que as penas são as
mesmas tanto para quem deu início às postagens, quanto para aqueles que
compartilharam. "Já existe decisão do Tribunal de Justiça, que quem
compartilha a informação também se torna responsável, porque isso vai
replicando de maneira que as coisas acabam saindo do controle",
concluiu.
Segundo a representante
do Ministério Público, já houve em Descalvado outros casos que foram
denunciados à justiça. "Uma vítima deste tipo de crime sabia quem deu
início ao compartilhamento de um vídeo, e por isso procurou a justiça
para tentar, por meio de uma ação, frear isso e buscar um ressarcimento
pelos danos causados à ela. Além disso, ela também foi orientada à
procurar a polícia para registrar um boletim de ocorrência, que
posteriormente no decorrer das investigações, poderá ficar caracterizado
que houve um crime", relatou a Promotora de Justiça.
De acordo com a Dra.
Mariana Fittipaldi, as vítimas deste tipo de crime devem primeiro
procurar a polícia e registrar um boletim de ocorrência, e caso seja
necessário, não ter receio de procurar o Ministério Público para que
outras providências possam ser tomadas.
A Promotora também
ressaltou que por advento das redes sociais e o seu uso cada vez mais
indiscriminado, é crescente o número de inquéritos policiais abertos por
conta de postagens ou compartilhamentos feitos por aqueles que emitem
opiniões abertas, ofensivas ou difamatórias. "Por causa das redes
sociais e também do WhatsApp, todo mundo compartilha muitas opiniões, e
todo dia cresce o número de inquéritos policiais e ações civis de
indenização, por conta de pessoas que emitem uma opinião aberta sobre
alguma coisa, ou então alguém ofendendo, difamando, caluniando ou
injuriando. Tudo isso gera a mesma responsabilidade daqueles que cometem
estes crimes por meio de palavras ou agressões verbais. É preciso tomar
cuidado quando você emite uma opinião, compartilha um texto ou uma
imagem relacionada a alguém", explicou.
Já em relação aos perfis
falsos nas redes sociais, Dra. Mariana relata que hoje existem meios no
qual a justiça consegue rastrear os verdadeiros autores de postagens e
compartilhamentos. "Hoje existe a Lei Carolina Dieckmann, que pune as
pessoas que cometem os crimes pela internet. Ainda que inicialmente
demore um pouco para chegar ao nosso conhecimento, na hora em que a
Polícia ou o Ministério Público são acionados, é perfeitamente possível
descobrir quem foi o autor", disse a Promotora.
As penas previstas no
Código Penal Brasileiro para os crimes cometidos por aqueles que postam
ou compartilham informações falsas ou difamatórias por meio do Facebook
ou do WhastApp, podem variar de acordo com o tipo de crime. No caso de
calúnia, a pena é de detenção de 6 meses à 2 anos, além de multa, sendo
a mesma pena aplicada para aqueles que mesmo sabendo ser uma informação
falsa, também a compartilha. Para difamação, a pena é de detenção de 3
meses à 1 ano, e a injúria, a pena é detenção de 1 à 6 meses, ou multa.
"Se for um crime contra a honra, difamando um funcionário público em
razão das suas funções, a pena aumenta em um terço, e se for na presença
de várias pessoas ou através de um meio que facilite a divulgação, como
é o caso do Facebook ou do WhatsApp, a pena aumenta mais um terço",
concluiu a Dra. Mariana Fittipaldi.
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