Saudade: Sentimento
melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, de uma coisa ou de um
lugar. Ou ainda, à ausência de experiências prazerosas já vividas. A
música “Memórias do Café Nice”, composta por Artúlio Reis e gravada por
Nelson Gonçalves, não poderia representar melhor o significado da
palavra saudade! Não no seu significado mais excêntrico, mas por sua
representatividade e pelo que este sentimento - que se em alguns casos
reflete à dor de uma perda irreparável -, aqui na Praça da Matriz de
Descalvado é sinônimo dos bons e velhos tempos de uma época que
infelizmente não volta mais.
Há exatos 40 anos, um grupo
de amigos passou a se reunir nos bancos da praça para colocar o papo em
dia, e discutir sobre os mais variados assuntos. De lá pra cá, o grupo
só foi aumentando e mesmo com a perda de alguns companheiros que já
partiram para uma outra jornada, ele fica cada vez mais alegre,
divertido, e como eles mesmos fazem questão de afirmar, com uma extensa
pauta de assuntos a serem discutidos.
Conhecido carinhosamente
como “Senadinho”, o grupo surgiu por meio da reunião de amigos em
meados da década de 70, que marcavam o encontro na Praça da Igreja
Matriz para falar de uma das maiores paixões do brasileiro: o automóvel.
Quem começa a nos contar essa história são os amigos de longa data
[ambos funcionários públicos aposentados] Mário Ângelo Vitulli Zambelli,
de 73 anos, e Victorino Pozzi Junior, de 67. "Era num murinho aqui em
baixo, tudo aí, e era por volta do ano de 1975. Era um tempo de mexer
com automóvel, carro, então a gente ficava mais lá" relembra Mário Ângelo,
apontando para a mureta que separa a praça da rua.
"Então a gente costumava se encontrar nesse grupinho. Mais ou menos
sempre a mesma turma, aos sábados e domingos, e trocar figurinha como
diz o outro", completou Victorino.
E o grupo foi mesmo
aumentando. De lá para cá, os encontros deixaram de acontecer somente
aos finais de semana, e hoje tornou-se um compromisso diário para a
maioria dos amigos que frequentam o "Senadinho". Mas nem só de bate papo
e conversa despretensiosa vive o grupo. Assim como acontece em todos os
'parlamentos', os amigos também discordam em várias opiniões, dentre
elas, sobre qual a maior mudança ocorrida em Descalvado ao longo destes
últimos 40 anos. Apesar de raro, constam nos registros do "Senadinho",
que já houve discussões que chegaram a ficar mais acaloradas, mas nada
que abalasse qualquer amizade, ressaltam.
Dentre os assuntos
discutidos no "Senadinho", estão os temas mais variados:
política, religião e futebol, é claro, estão entre os mais discutidos, mas o que
eles gostam mesmo é de relembrar as boas e velhas histórias vividas por
cada um deles.
Sobre política, os
senadores falaram como era viver na época da ditadura militar em uma
cidade pequena como Descalvado. O empresário aposentado Celso Luis
Galetti, de 68 anos, contou sobre uma experiência vivenciada ainda em
sua juventude, ao atuar em uma peça de teatro apresentada em na cidade
durante o período em que o país vivia sob o regime militar, e que acabou
o levando diretamente até a delegacia de polícia para prestar alguns
esclarecimentos. "Eu estava em Descalvado na década de sessenta, e nós
participávamos na nossa juventude de um grupo teatral. Nós fizemos muito
teatro aqui em Descalvado, e sofremos sim a repressão da ditadura! Não
se podia falar quase nada, e éramos obrigados a seguir exatamente o
texto. Eu me lembro de uma peça chamada 'Os Três Gostosões', em que eu
propositalmente saí do texto e disse 'Será que nesse país não se pode
nem conversar com os meus botões?'. No dia seguinte, eu trabalhava no
Banco Moreira Salles, e foram dois senhores lá e me chamaram até a
delegacia para dar explicações sobre este assunto", relatou Celso.
Ícone da política
descalvadense, o ex prefeito, ex vereador e ex presidente da Câmara
Municipal, Dr. Tomás Vita, de 81 anos, também é frequentador assíduo do
"Senadinho", desde a época em que o grupo não era conhecido pelo nome
que hoje faz referência à Casa pertencente ao Congresso Nacional, em
Brasília. "Eu sempre frequentei aqui, mas não existia ainda o Senadinho.
O Senadinho é uma coisa mais recente", explicou o ex prefeito.
Perguntado se na época em que ocupava a cadeira de Chefe do Poder
Executivo haviam muitos pedidos quando ele frequentava o local, Tomás foi
categórico: "Sempre existe. O Prefeito é sempre chamado a atender
algumas reivindicações", brincou.
Responsável por batizar
o grupo de amigos com o nome pelo qual hoje são reconhecidos, o
empresário aposentado Ariovaldo Andrade Jardim, de 81 anos, contou como
surgiu a idéia de dar o nome de Senadinho ao grupo. "É que em
Pirassununga o meu pai também se reunia com outros idosos, e eles
chamavam de Senadinho. E quando eu comecei a frequentar aqui, eu passei a
chamar brincando de Senadinho, e agora parece que pegou", disse
Ariovaldo. Sobre os encontros diários com os amigos, o aposentado disse ser uma experiência muito boa. "Você passa quase uma
hora e meia, duas horas, e desoplia o fígado, dá bastante risada. As
vezes quem passa aqui, parece que tá saindo fora do normal, mas não é
não, é uma brincadeira sadia das crianças de ontem", concluiu o
aposentado.
Perguntado sobre o que é
preciso para se
tornar um 'senador', Ariovaldo brinca que é necessário se
candidatar ao posto e passar pelo crivo dos demais membros do grupo.
"Ah, tem um cadastrinho pra preencher, e se não tiver de acordo com
aquilo lá, reúne o Conselho dos Senadores daqui e aí aceita ou não
aceita", finalizou.
Um dos grandes
responsáveis pela recente fama do "Senadinho" é o músico aposentado
Flávio Tallarico, de 74 anos. Usuário assíduo das redes sociais, Flávio
tem levado algumas das histórias mais engraçadas que acontecem no
Senadinho, para o mundo virtual. O resultado? Centenas de curtidas,
compartilhamentos e comentários a cada nova postagem. Além de Senador, o
músico também tem papel importante nos encontros, já que muitas vezes
presenteia os amigos com algumas apresentações ao lado de seu violino,
saxofone ou teclado. "Eu tenho facilidade para escrever, então eu
comecei a compilar as histórias daqui, e naquela seção 'História de
Descalvado', eu comecei a narrar os fatos do dia. Então, como tinha
algum acontecimento, eu dava uma apimentada e postava. E o pessoal
começou a curtir!", explicou o músico.
O Senador Ovídio
Francisco Pratta, de 71 anos, também lembrou de outros amigos que
frequentam o local, e apesar de destacar o clima amigável
que prevalece nos encontros dos amigos, disse também que já houve
algumas discussões, mas que no final, tudo sempre acaba bem.
Já próximo do final da
entrevista cedida ao DESCALVADO NEWS
- e sentindo-se bem mais a vontade com a
presença da nossa câmera -, os ilustres senadores acabaram falando da
satisfação de estar entre os amigos, e revelaram algumas das histórias
que certamente merecem ser contadas. E como em toda história, é claro
que nesta que estamos contando também existe um personagem principal. O nome
dele é Antonio Osvaldo Assoni, de 70 anos, mas que é mais conhecido por todos
em Descalvado pelo nome 'Futir'.
Unanimidade entre os
Senadores, Futir parece ser o personagem das histórias que mais divertem
os amigos no encontro realizado na Praça da Matriz. Detentor de inúmeras
histórias divertidas - dentre elas a protagonização do primeiro desfile
gay do Brasil segundo os amigos -, o proprietário do Hotel Descalvado
contou duas das mais famosas histórias ocorridas no seu estabelecimento,
e que coincidentemente está localizado bem ao lado do "Senadinho".
"Essa unidade - que todo
dia a gente vem aqui né - nos une, nos fortalece, e nos dá mais vida.
Esse é o princípio da coisa! Hoje em dia falta tanta conversa, um bate
papo, então essa convivência nossa aqui é muito importante! Prolonga até
a vida!", finalizou Futir.
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