- Pai, pode ir na minha frente. Você é um carregador da tocha
olímpica.
A frase
é do Thiago, meu filho, nove anos. Estávamos no quarto do hotel, em João Pessoa,
na noite de sexta-feira. Iríamos lavar as mãos antes do jantar em família, já
que Patrícia, minha esposa, e Luca, meu filho mais novo, nos esperavam no
restaurante. Mas o gesto dele, representado por aquelas míseras 13 palavrinhas,
me obrigaram a mudar por completo o texto que imaginava escrever para vocês.
Não seria mais justo escrever apenas sobre o meu sentimento ao carregar o fogo
olímpico por 200 metros, em uma rua pouco iluminada do bairro Jardim Oceania, na
capital paraibana, no início da noite, a convite do Bradesco, um dos
patrocinadores do evento. A tal tocha tem mesmo muito poder! Eu, bem mais
racional do que passional, não fazia ideia da dimensão, apesar de trabalhar com
esporte há quase 20 anos.
A frase do meu filho ainda serviu como aperto de um botão no controle remoto.
Ele acionou o play e daí várias imagens do minuto da corrida resolveram passar
pelos meus olhos. "Sorria e segure firme a tocha", foram as instruções que
recebi ainda no ponto de encontro, com outros 18 carregadores. Acho que fui
aprovado nestes quesitos. Eu era o número 143. Mas estava curioso mesmo com as
reações do meu "sucessor", Thiago, xará do meu filho, com a tocha 144 presa em
um suporte na cadeira de rodas. E foi um sorriso genuíno, puro e tocante dado
por ele assim que viu o fogo que eu carregava acender o dele. Três sensações que
deveriam estar no topo da lista do tal espírito olímpico, cada vez mais
profissional e artificial.
"Vamos retribuir, pessoal", disse outro carregador, dentro do ônibus já na volta
do evento, após o ônibus fazer uma curva e se deparar com dezenas de pessoas
gritando, acenando e aplaudindo o comboio. Ele tinha razão.
No meu grupo estava ainda o vice-campeão olímpico Zé Marco, parceiro de Emanuel
no torneio de vôlei de praia dos Jogos de Sydney-2000. Um sujeito acostumado com
o turbilhão de emoções de vencer ou perder um jogo decisivo. Um esportista
habituado com fãs, autógrafos, fotos e que ainda assim ainda fica com olhos
marejados ao ser aplaudido dentro do ônibus antes de correr os 200 metros com a
tocha. Apenas a comprovação de que todos os atletas olímpicos em atividade e os
já aposentados deveriam ter a mesma oportunidade de Zé Marco...
O dia 3 de junho já acabou. Mas será eterno na memória dos Thiagos, do Luca, da
Patrícia, do Zé Marco, do Daniel e de tantos outros.
* O editor viajou a convite do Bradesco
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