Futuro Para as Águas do
Passado'. Tinha entre seus filmes favoritos Amarcord, Cantando na Chuva,
Os Sete Samurais e todos os filmes de Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
Nas redes sociais foram
diversos depoimentos de amigos e familiares, que prestaram suas
homenagens e descreviam o que a perda do jornalista representava. "Perdi
um amigo recente que me era tão próximo e caro como se já nos
conhecêssemos por toda uma vida. Quem vai me ensinar as coisas que só
o Vicente podia e sabia fazer? Com quem eu vou brincar e provocar, uma
vez que só tinha graça com ele? Com a morte dele a vida perde uma parte
da graça", postou a amiga Silvana Cereda.
"Há dois meses o
Vicente passou um final de semana na minha casa. Ja fizemos isso antes
mas esse encontro foi muito especial! Nossa amizade nunca esteve tão
próxima, tão afetiva...Ele me disse o quanto nossa amizade era
importante pra ele e eu quase nao pude responder pq fiquei muito
emocionado. Ao levá-lo na rodoviária me falou q foi um dos melhores
momentos que passamos juntos So esquecemos de fotografar....Foi nossa
despedida especial.. Quando chegou em SP me ligou: por muito tempo ele
iria sentir saudades daquele final de semana com a minha família. Eu
sentirei eternamente. Muito obrigado Vicente", lamentou o amigo e
médico Dr. Jener Sápia, filho do também médico Dr. Ednir Salvador Sápia
e autor do livro “Uma bola, um martelo e um bisturi”, que contou durante
toda a elaboração do projeto com o auxílio e o apoio do amigo e
jornalista falecido na noite de sexta-feira.
Mas talvez uma das
homenagens mais marcantes durante o sábado, foi o relato postado no Blog
"Cidadão Mundo", sob o título "Vicente Adorno, o Grande". Escrito pelo
amigo jornalista e escritor Washington Araújo, o texto revela muito
sobre a personalidade alegre e apaixonada pelo trabalho de Vicente
Adorno. Acompanhe:
"Vicente foi um ser humano bem ao estilo
canivete-suiço: jornalista, cineasta, documentarista, professor,
filósofo, bacharel em Letras, editor de telejornal, musicólogo,
especialista em música clássica, mestre em jazz. E uma alma líquida e
encharcada da mais pura felicidade. Fecho os olhos e o encontro todo
sorrisos a me guiar por toda a TV Cultura da Fundação Anchieta.
Estávamos em 2002. Estava lá para firmar parceria com a TV para produzir
o documentário ‘Seguidores da Glória’. E precisava antes conhecer o
presidente da emissora, conhecer o chefe de documentários, apresentar a
eles minha ideia de como seria um programa de tevê inteiramente dedicado
a mostrar a emergência da mais recente religião monoteísta à humanidade
– a Fé Bahá’í. Mostrei fotos dos lugares sagrados em Israel, dos
templos, dos jardins e busquei conectar essa beleza iconográfica com a
beleza essencial dos ensinamentos da nova Fé.
O presidente da TV Cultura ouvia a tudo com semblante
impassível. Mas Vicente era todo paixão: assentia a cada argumento,
concordava com cada afirmação minha, e seu rosto escancarava expressões
de genuína felicidade. Foi ali e naqueles momentos que nascera o
excelente ‘Seguidores da Glória’, roteirizado, produzido e dirigido por
ele, Vicente Adorno. Uma de suas características era agregar pessoas em
torno do projeto. E assim entrevistou vários amigos de São Paulo para
dar precisão e bem amarrar o roteiro todo. Depois coordenaria sua viagem
para Israel: tomaria imagens nos mais diferentes horários, valorizaria a
iluminação natural, respeitaria o Sagrado que emergia com suntuosa
presença naqueles caminhos de Deus, “pisando uma vez mais sobre a face
da Terra”.
Vicente me ligava de Haifa, New York, Chicago. E
estava tão feliz com o mundo novo que se lhe era mostrado. Voltou a São
Paulo e mergulhou de ponta na pós-produção. Foi quando se apaixonou de
vez por Tahirih, a primeira mártir pelos direitos da mulher. E como todo
apaixonado que honre a tradição romântica me ligava para falar de seu
amor e paixão pela trágica poeta persa que viveu no século 19.
Menos de dois anos se passaram e encontro-me
novamente cumprindo agenda com o novo presidente da TV Cultura.
Agora, no rastro do bem sucedido ‘Seguidores da
Glória’, já em 2006, voltava a São Paulo para tornar possível uma nova e
mais desafiadora parceria TV Cultura/Comunidade Bahá’í. Estava lançada a
semente do novo documentário. E assim Vicente Adorno e Valdir Rodrigues
mostrariam seus talentos na realização do cult “Arquitetura da Unidade”.
Para realizar o projeto cinematográfico viajaram 21 dias fora do Brasil,
visitaram Langenheim (Alemanha), Nova Déli e Bahapur (Índia), New York e
Wilmette (USA).
Vicente era a festa em pessoa. Recebia ligações
desses lugares. Em todas dizia estar maravilhado com isso e aquilo e
principalmente com a calorosa hospitalidade com que os bahá’ís os
recebiam, as gentilezas, a cortesia diária marcando viagem a viagem,
embarques e desembarques, os jantares, as apresentações com corais, as
entrevistas com vários dos arquitetos dos templos bahá’ís espalhados
mundo afora.
Falou-me de uma queda feia que sofreu em Nova York e
de como se esforçou para não quebrar as câmeras. Falou do susto imenso
quando em Nova Déli as bagagens com todos os filmes e equipamentos de
filmagem haviam se extraviado no trajeto Alemanha/Índia. E falava isso
com aquele jeito de criança levada, sorrindo, divertindo-se com tais
prosaicos acontecimentos.
Tivemos outros encontros mais.
Planejamos outros projetos em parceria que,
infelizmente, ficaram apenas nos nossos corações e nunca veriam a luz do
dia, nem as imagens encheriam as telas.
Depois, quando minha filha Jordana estava fazendo sua
TCC para o curso de jornalismo, fomos a São Paulo entrevistar Vicente e
Valdir, pois seu tema era exatamente o documentário ‘Arquitetura da
Unidade’. Mas o que quero mesmo dizer é que Vicente emulava seu xará de
sobrenome Van Gogh: ele era estrelado, seus dias e suas noites eram
luminosas, seus pensamentos eram profundos, seu bom humor era
onipresente e sua visão de mundo era realmente altamente inclusiva.
E a todos ele abrigava com amizade, amor e carinho.
Agora Vicente poderá filmar nos espaços celestiais,
entrevistar anjos como Sérgio Couto, Enoch Olinga e Paul Haney.
E não levará mais tombos, salvo de uma nuvem para
outra. E poderá saber o processo criativo de Haendel a compor o poderoso
refrão da sua obra máxima ‘O Messias’. Vicente poderá passar tardes
inteiras ouvindo o Birdy (Charlie Parker) e logo de cara fará amizade
com suas divas prediletas Ella Fitzgerald, Sarah Vaugh e Nina Simone.
Sei que terá muita coisa para fazer porque sei que
ele foi aqui neste mundo um anjo desgarrado desses que vêm à Terra por
um descuido qualquer de Deus.
Sei também que sempre que olhar o céu à noite ouvirei
sons e risos de alguém que soube dosar tão bem essas duas virtudes,
aparentemente inconciliáveis – a erudição nos conhecimentos humanos e a
humildade que se sobressai de todos aqueles que foram agraciados pelo
Criador com uma grande e luminosa alma.
A propósito de Vicente Adorno, vale o que disse John
Huston ao discursar no enterro de Humphrey Bogart: “Não choremos por
ele, que se foi, e sim por nós, que ficamos. Porque nunca mais
encontraremos alguém como ele”.
Esta é a mais pura verdade."
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