Os dados obtidos pela reportagem são os mais atualizados disponíveis. Os
últimos números divulgados pelo Ministério da Justiça, por exemplo, são
relativos a dezembro de 2013. O órgão deve lançar nesta terça (23) um
relatório com os dados de junho de 2014. A Secretaria Nacional da
Juventude também divulgou um mapa do encarceramento no início do mês,
mas com dados de 2012.
O levantamento mostra que,
em dez anos, dobrou o número de presos no sistema carcerário – ante um
aumento de apenas 10% da população brasileira no mesmo período. Em 2005,
a população carcerária era formada por 300 mil pessoas.
O "boom" de presidiários
tem feito com que a maioria dos estados abra mais vagas, ampliando ou
construindo mais unidades. Em pouco mais de um ano, quando foi feito o
último levantamento pela reportagem, foram acrescidos ao sistema 8 mil
lugares – insuficientes, no entanto, para a nova demanda, de 52 mil
presos. Há atualmente 371 mil vagas no sistema.
Para a socióloga Camila
Nunes Dias, da UFABC, é preciso encontrar alternativas ao modelo atual
de encarceramento. “Não há mais condições de expandir vagas, muito menos
na proporção que a demanda sempre crescente requer. Os números mostram
que é preciso encontrar alternativas. A prisão não é mais uma opção
viável, nem economicamente, pelos custos (e a privatização a meu ver não
é uma solução), nem socialmente, porque ela amplifica a violência, pelas
suas próprias características, de estar absolutamente dominada por
facções criminosas”, afirma.
PRESOS PROVISÓRIOS
- Um dos principais problemas enfrentados diz respeito à quantidade de
presos provisórios. Atualmente, há 238 mil presos aguardando julgamento
dentro dos presídios – 39% do total. No Piauí, o índice chega a 66%. No
estado, há casos como o de um detento que roubou R$ 200 de um comércio e
um ano e quatro meses depois ainda não foi julgado.
Camila Nunes Dias atribui
boa parte desse contingente às prisões em flagrante. “O sistema
judiciário não tem capacidade de dar conta desse excesso de prisões em
flagrante, não consegue julgar as pessoas em um tempo razoável. Então há
uma enorme quantidade de presos provisórios aguardando julgamento em
regime fechado, o que é um absurdo. E vale lembrar que isso só acontece
porque essas pessoas, em sua absoluta maioria, são desprovidas de
assistência jurídica”, afirma a pesquisadora, que também é associada ao
Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e ao Fórum Brasileiro de
Segurança Pública.
Segundo ela, muitos juízes
estão “descolados da realidade social brasileira” e acabam condenando as
pessoas à pena de prisão “de forma indiscriminada”. "Quando tem
condições de pagar um bom advogado, sobretudo quando não cometeu um
crime violento, a pessoa consegue aguardar o julgamento em liberdade."
Em São Paulo, um projeto
implantado no começo do ano tenta agilizar a análise das prisões
provisórias. Agora, o preso em flagrante tem direito a uma audiência de
custódia. Ou seja, sua prisão só poderá ser convertida em preventiva
(sem prazo) na presença do juiz, advogado ou defensor e Ministério
Público, em até 24 horas. Antes, o juiz convertia a prisão baseado no
que estava escrito no flagrante.
"Nós percebemos que
praticamente metade das prisões em flagrante não está sendo convertida
em prisão preventiva. Os juízes estão verificando que nem sempre o
flagrante é bem decretado", afirma o presidente do Tribunal de Justiça
de São Paulo, José Renato Nalini. "O preso só veria o juiz depois de
meses ou até de anos conforme o curso do processo. Agora, essa prisão já
é resolvida e pode até ser aplicada uma medida alternativa, como
tornozeleira."
Segundo o magistrado, embora o objetivo dessas audiências não seja o de
aliviar o sistema prisional, a medida em longo prazo deve ter esse
efeito. "Nós temos uma cultura da prisão enfatizada, de enxergar a
prisão como única resposta à delinquência. Porém, a tendência a longo
prazo será mostrar que a liberdade deverá ser preservada, porque grande
parte desses presos não deveria sequer entrar no sistema prisional."
A pesquisadora da UFABC
também ressalta o caráter repressivo da polícia nos dias de hoje. “Nas
últimas décadas, os governos estaduais têm priorizado a Polícia Militar,
com investimento em viaturas e armamentos, e deixado a Polícia Civil
sucateada, perdendo cada vez mais sua capacidade de investigação. Há uma
quantidade muito pequena de presos por homicídio justamente por isso.
Dificilmente uma pessoa suspeita desse crime é presa em flagrante. Já a
PM tem muitas vezes uma atuação obsessiva e violenta.”
SUPERLOTAÇÃO
- Pernambuco é o retrato da superlotação nos presídios. Com o maior
déficit de vagas proporcionalmente, o Estado está há cinco meses em
situação de emergência. Isso porque sucessivas rebeliões no Complexo do
Curado deixaram quatro mortos e dezenas de feridos no início do ano. Ao
todo, Pernambuco tem três vezes mais presos que vagas.
Detentos relatam condições
subumanas nas cadeias. Alguns dizem que a presença da polícia dentro das
unidades é quase inexistente. "Quem manda lá dentro são os chaveiros, e
tem de tudo, inclusive droga e arma. Quando eles [os policiais] vêm
entrar, já é tarde demais", conta um deles.
No Amazonas, o segundo
estado com a maior superlotação prisional do país, a situação não é
diferente. Em um vídeo obtido pelo feito pelo Sindicato dos Funcionários
da Polícia Civil do Estado do Amazonas (Sinpol-AM), é possível ver
presos amontoados em celas de uma delegacia do interior do estado.
“As prisões têm se
deteriorado pelo próprio processo de encarceramento. Com a ampliação do
número de presos, o estado é incapaz de acompanhar esse aumento, em
termos de expansão das vagas, e há automaticamente uma deterioração das
condições das prisões, tanto física como moral. O espaço hoje é
desumano, a comida é um horror. Há uma piora na qualidade de todos os
serviços e deficiência na assistência jurídica, social, médica”, afirma
Camila Nunes Dias.
A socióloga diz que os
estados não têm interesse em investir nas prisões já existentes. “Quando
isso ocorre, é sempre na construção de novas unidades. A relação
preso/agente penitenciário, por exemplo, está cada vez pior. Em São
Paulo, às vezes há um agente para tomar conta de 400 presos. E essa
situação se repete em outros estados.”
Para o presidente do TJ-SP,
é preciso uma mudança de consciência. "Trancar todo mundo, prender, é
uma solução simplista, egoísta, que não resolve o problema. Temos que
fazer com que as pessoas repensem essa tática de querer construir cada
vez mais presídios e criar feras, que saem com raiva e dispostas a se
vingar do mundo. Somos o 4º país que mais prende. Não queremos chegar ao
primeiro lugar."
*Fonte: G1
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