euros) per capita
por mês; o valor médio do benefício do BF passou de 73,70 reais
em 2003 para 152,54 reais em Novembro de 2013. No ano passado, o
orçamento do Bolsa Família foi de 24 mil milhões.
Os resultados,
defende a ministra, são “robustos”, pois o ministério não
trabalha com amostras, mas com dados totais. Começamos a
conversa pedindo que a ministra escolhesse três aspectos
positivos do programa. O primeiro é a redução da mortalidade
infantil – “Hoje a gente tem como provar que o BF reduziu em 58%
a mortalidade das crianças devido a desnutrição e em quase 50% a
mortalidade por conta de diarréia”. O segundo é o impacto na
educação, que leva a ministra a dizer que “pela primeira vez na
história do Brasil há indicadores entre os mais pobres que são
melhores que os indicadores dos demais”: “92% das crianças no
Brasil têm a frequencia esperada, no caso das 'crianças Bolsa
Família' é de 94%”; “82% dos jovens do BF passam de ano, contra
72% da média nacional dos que não são BF”; em 2002, apenas 32%
dos jovens de 15 anos estavam na escola na idade certa, hoje são
53% dos jovens, ou seja, “a chance de ele ir para a universidade
é muito maior”. Finalmente, o terceiro é a redução da extrema
pobreza em 89%.
Quanto a
aspectos negativos, a ministra não reconhece que existam. “Daria
para perguntar o que ainda temos para fazer? Temos um desafio
grande que é encontrar pessoas e incluí-las no cadastro único.
Entrando no Bolsa Família as pessoas deixam de ser extremamente
pobres.”
Apesar dos resultados positivos, há críticos que dizem que o
programa é assistencialista e não dá às pessoas os instrumentos
para que elas se autonomizem, não lhes dá a vara para pescar.
Isso é um problema?
“Essa é uma
premissa errada, achar que as pessoas se tornariam dependentes e
deixariam de procurar trabalho com o Bolsa Família. Não
aconteceu. Hoje temos como provar que as pessoas não mudaram de
atitude e procuram melhor vida. 48% das pessoas do BF têm menos
de 17 anos, não trabalham. E nós não queremos que elas
trabalhem. Tirar-lhes o BF seria tirar esse ganho, que é ensinar
a pescar, porque só tem um jeito de superar a situação histórica
de exclusão que essas pessoas viveram – educação. Para metade do
Bolsa Família está sendo dada a cana, está-se ensinando a
pescar, está sendo construída uma estratégia.
O nosso objetivo
é que as pessoas saiam da pobreza. Metade das crianças estão
saindo da pobreza por causa do Bolsa Família, para nós isso é
indiscutível.
Os adultos
trabalham. Não é verdade que não trabalhem. As pessoas diziam:
eles vão receber o BF e não vão querer trabalhar. Nós não
estamos discutindo em tese, estamos discutindo dados da
realidade: 75% dos adultos em idade ativa no Brasil trabalham,
sabe quantas pessoas do BF trabalham? 75%. Não é verdade que o
BF induziu essas pessoas a trabalhar mais ou menos – trabalham
tanto como os de mais. A nossa avaliação é que eles trabalham
mais, porque trabalham em atividades mais árduas, em atividades
mais difíceis, muitas vezes trabalham de sol a sol; tem gente
que trabalha com carta assinada [contrato], trabalho formal, mas
mesmo assim não recebe o suficiente para sustentar a sua
família.
Mesmo
trabalhando com o salário mínimo, e dividindo o salário pelo
número de pessoas da sua família, ele recebe menos de 70 reais,
menos de 1,25 dólares por dia. A teoria é de que essa pessoa é
pobre porque não trabalha. Só que isso não é verdade. Essa
pessoa é pobre mesmo trabalhando. Porque é que essa pessoa é
pobre mesmo trabalhando? Por vários motivos. Principalmente,
porque a gente tem um passivo no Brasil de falta de
oportunidades. Tem o exemplo da pessoa pobre que vem de um
histórico de família sem acesso à educação. E ele trabalha no
pior emprego que sobrou, é o último a ser contratado.
O Brasil vive
hoje numa situação que nunca viveu na sua história: estamos com
nível de desemprego de perto de 5%. Tendo emprego as pessoas
trabalham. Por exemplo, hoje falta mão-de-obra qualificada,
faltam pedreiros. O nosso adulto do Bolsa Família que não teve
escola, não assinou contrato, acaba empregado na construção
civil, só que naquela empresa que trabalha ilegalmente, que está
fugindo dos impostos, e aceita trabalhar por um salário baixo.
Essa pessoa é vulnerável porque aceitou trabalhar sem contrato,
por um salário indigno.
No Brasil a
gente tem preconceitos contra os pobres: tivemos preconceitos
contra os indígenas, contra os escravos, e contra os negros, e
continuamos herdando dessa cultura escravocrata. O BF tem
ajudado a que a gente possa trazer para a sociedade esse dado
(de que os pobres trabalham). Há vários estudos em todas as
áreas, independentes do governo, que provam que o Bolsa Família
não leva à preguiça; e não faz com que as pessoas busquem a
informalidade – não assinar contrato para esconder do BF –
porque ela já trabalhava na informalidade.
Se forem a
Salvador, vão ver centenas de pessoas aproveitando esse período
com muitos turistas vendendo coisas na praia – bronzeadores,
pastéis, biquínis, chapéus. As pessoas não têm contrato, mas vão
ver como esse trabalho é duro. Elas estão aproveitando esse
período para ajudar a família. São pequenos empreendedores
informais: é o que usa a cozinha de sua casa, é a costureira que
usa a sua máquina… Nós estamos entrando pesadamente com
qualificação profissional para esses empreendedores, alteramos a
oferta de cursos de qualificação profissional no Brasil levando
cursos para essa população pobre. Conseguimos levar 860 mil
pessoas para cursos de qualificação – a meta era chegar a um
milhão de pessoas do Bolsa Família até Dezembro de 2014, ninguém
acreditava que isso ia acontecer, e está acontecendo. Abrimos
linha de crédito para o micro-empreendedor investir. A
costureira hoje tem acesso a taxas de juro baixas: já era
costureira, trabalhava muito, conseguiu fazer o curso e hoje tem
condições de aumentar a sua produção, comprar uma máquina nova…"
Como é que a ministra define pobreza e extrema pobreza?
"Sempre
trabalhamos com um conceito multidimensional. A idéia era que o
Bolsa Família fosse um rendimento, fosse inclusão na escola,
acesso à educação. Há uma vertente a que a gente chama
"programas complementares". Com o Brasil Sem Miséria [que existe
desde 2011] conseguimos dar um salto nesse conceito levando
serviços – saúde, educação, acesso a assistência social, acesso
a água, acesso a energia elétrica, acesso a um conjunto de
direitos – e levando oportunidades de inclusão.
Estamos a querer
enfrentar a pobreza de forma multidimensional. No Nordeste a
pessoa é pobre por falta de renda, mas também por falta de água.
Este conceito de falta de água não vale para o Sul do Brasil.
Então não posso ter um conceito único.
Estamos usando o
Bolsa Família como mapa para dizer que aqui não há médicos, que
a escola sem água está aqui. Sei onde estão os pobres hoje no
Brasil. Eu sei dizer o endereço deles, eu sei dizer quantas
pessoas há na casa deles, qual é a escolaridade dos pais dessa
criança extremamente pobre que não teve acesso ao médico. E eu
sei dizer que os médicos têm de ir àquele bairro – e é isso que
a presidente Dilma está fazendo com o Mais Médicos [programa de
recrutamento de médicos estrangeiros e brasileiros para as zonas
carentes no Brasil]. Nós sabemos onde essa população pobre está
e sabemos que não tem acesso a médicos, que é um aspecto
dramático da extrema pobreza: a falta de acesso à saúde básica,
à orientação de como curar uma diarréia – tem gente que morre de
diarréia no Brasil.
As pessoas são
extremamente pobres por falta de rendimento e falta de água no
Nordeste, por falta de assistência técnica, são extremamente
pobres porque trabalham com sementes que geneticamente perderam
o potencial há 200 anos e continuam trabalhando com essa
semente, eles plantam e a semente não dá o suficiente.
Hoje o pobre que
vive numa região inóspita, que sabe que não vai chover, tem
acesso a água para beber – estamos universalizando o acesso a
água para beber. [Há pessoas que dizem]: no dia que plantar
melhor, então você come. Só que ele não vai resistir até lá; e
até lá a criança nordestina vai continuar tendo uma baixa
estatura, um baixo desenvolvimento intelectual, um baixo
desenvolvimento cognitivo, um coração menor que ela tinha de
ter… Nós não aceitamos isso! Nós não aceitamos a teoria
confuciana de ensinar a pescar, enquanto essa criança continua
reproduzindo essa tragédia. Nós estamos levando água, estamos
levando comida, estamos levando médicos, escola, estamos dando o
peixe, ensinando a pescar, dando a cana e vamos dar o que tiver
que ser para mudar o Brasil."
Qual a diferença de um beneficiário do Bolsa Família em Santa
Catarina, onde menos se recorre ao prograna, e no Maranhão, onde
mais recorre?
"São iguais. A
diferença é que um está num estado, Santa Catarina, que tem mais
oportunidade do que os outros. Mas está a receber a mesma coisa.
Em Santa Catarina também estamos a fazer cisternas, o Mais
Médicos está indo para Santa Catarina também. Não estamos a
olhar o macro, estamos olhando o micro: não se combate a pobreza
olhando o macro."
Não deveria existir um rendimento mais alto do Bolsa Família nos
locais onde não há acesso a água potável e saneamento básico,
onde não há hospitais próximos?
"Esse Bolsa
Família não conseguia pagar isso. O problema de água no Nordeste
não é pagamento, é acesso. Se não levarmos água, podemos
continuar dando Bolsa Família que as pessoas vão continuar sem
beber – não têm onde comprar. Aliás, a água é caríssima. Não
queremos que ele vá comprar uma água sem qualidade, que não é
controlada pelo sector público. Neste momento, está acontecendo
a pior seca dos últimos 50 anos. Não tem salário que pague uma
cisterna. Não queremos que ele pague por um médico, queremos que
o médico vá até ele e é isso que estamos fazendo.
No ano passado
construímos mil cisternas por dia; dois milhões de pessoas
tiveram acesso a água em dois anos e meio. Antes, a mulher
caminhava quatro horas por dia, enchia um balde com água suja e
voltava caminhando com água suja nas costas. Perdia quatro horas
do dia."
Como a Ministra vê as críticas da OCDE que, num relatório de
2013, disse que o Bolsa Família seria mais eficaz se fosse
aplicado em simultâneo com outras políticas de trabalho, e
outras medidas como a melhoria de saneamento, de condições
básicas de saúde?
"Essas críticas
são de quem não conhece o programa. O BF nunca foi um programa
isolado. Estou dizendo: a gente fez 500 mil cisternas.
Infelizmente, a gente não tem uma vara de condão. Você não
consegue resolver um passivo de 500 anos em 10 anos. Agora o que
estamos resolvendo desse passivo, num curtíssimo espaço de
tempo, é impressionante: nunca se levou nada para essas pessoas
e nós, em 10 anos, vamos universalizar a água para beber; 1,3
milhões de brasileiros, em um mandato, de um presidente, pessoas
pobres, estão tendo acesso a qualificação profissional do mais
alto nível; 500 anos sem acesso a nada e a gente consegue elevar
a qualificação profissional num curto espaço de tempo; 500 anos
sem nada e conseguimos levar crédito para essas pessoas, 500
anos sem nada e estamos dizendo que vamos levar médicos onde é
preciso.
O BF hoje é o
vetor de oferta de serviços públicos no Brasil. O BF virou um
mapa para nos ajudar a fazer o que é mais importante. Ao
contrário de muitos países desenvolvidos que construíram a
história de rede social e de proteção e que hoje abandonam essa
rede, nós não vamos abandonar os nossos objetivos de educação e
de universalizar a saúde.
Não existe
mágica, só tem um jeito de fazer: fazendo. O Brasil está-se
tornando menos pobre. O BF está complementando a rede de
proteção social porque a população pobre que não era idosa, que
não era inabilitada para o trabalho e não estava em situação de
desemprego formalizado nunca foi protegida no Brasil. Agora é.
Temos as quatro redes de proteção montadas, complementadas –
coisa que outros países estão abandonando, nós estamos
avançando, e com as outras coisas que é saúde, educação, acesso
a qualificação profissional e criação do direito à universidade.
Hoje o governo federal paga para que as pessoas possam ter
acesso à universidade, pública e privada, hoje financiamos o
jovem que quer trabalhar e estudar. Estamos a fechar o cerco. E
estamos investindo em aeroportos, em estradas, em transposição
de água para regiões onde falta água, em rede de saneamento."
O que está a ser feito em relação a programas de desenvolvimento
econômico para determinadas regiões que poderiam trazer mais
emprego e tirar a população da pobreza?
"Quando olhamos
a história do investimento no Brasil, vemos que acontecia em
regiões já ricas. Quando se estava para investir numa indústria
de automóveis, era no sudeste. O Estado brasileiro, a partir do
governo Lula, resolveu que esses investimentos se deveriam
induzir no nordeste brasileiro. Onde estão acontecendo os
grandes investimentos? No Nordeste. É por isso que o Nordeste
cresce a taxas chinesas. Onde é que o emprego cresce mais no
Brasil? Onde o Bolsa Família está, contrariando a tese e
preconceito de que com Bolsa Família a população não ia
trabalhar.
O Bolsa Família
não é assistencialista, senão não estava alterando
estruturalmente o Brasil. Como chamar de assistencialista um
programa que está impedindo as crianças de morrer? Como chamar
de assistencialista um programa que está levando qualificação
profissional para o povo? Como chamar de assistencialista um
programa que está induzindo a alteração do Estado, que sempre
beneficiou os mais ricos em detrimento dos mais pobres?"
Que análise faz de municípios que têm quase 70% da população
dependente do BF?
"Tem alguns
lugares onde a dinâmica é muito baixa – antes do BF as pessoas
passavam fome, agora não. O que perpetua a pobreza é a falta de
oportunidades e de educação, e é isso que o BF está enfrentando.
Essas cidades são pobres não porque estão a receber o BF, são
pobres desde que o Brasil foi descoberto, nunca tiveram
oportunidades – hoje dependem do BF, nos anos 1990 viviam na
tragédia.
Havia uma teoria
intelectual que dizia que os nordestinos eram geneticamente
inferiores. Hoje está provado que essas pessoas tinham tido
doenças na infância tão terríveis e tão bestas – lombrigas – por
falta de acesso a um conjunto de coisas e que por isso não
conseguiam crescer. Esse passivo – de ter pessoas que passaram
décadas sem comer e a serem socialmente rejeitadas porque eram
inferiores – nós não aceitamos. O Brasil não aceita mais ter
nenhum cidadão que viva com menos de 1,25 dólares por dia e
construiu uma política para garantir isso."
Quase 70% dos beneficiários do Bolsa Família são negros ou
mulatos, o que é que isto diz sobre a relação entre pobreza e
racismo?
"Racismo é um
dado cultural, da mesma forma que existe preconceito contra os
pobres no Brasil. O negro é pobre no Brasil porque ele vem sendo
excluído historicamente. Quando se olham os dados de inclusão,
vê-se a inversão disso. Por exemplo, 92% dos que receberam o
Bolsa Verde, que é um complemento do Bolsa Família, são negros;
65% dos que estão fazendo cursos de qualificação profissional
são negros. O que é que esse dado revela? Que os pobres no
Brasil são negros. Os pobres no Brasil são negros, crianças e
mulheres: 67% dos que fazem cursos de qualificação profissional
são mulheres, 65% são negros, metade das famílias são
monoparentais – e compostas de mulheres. Essa mulher que cuida
do idoso, da criança, que sustenta essa família, não teve acesso
a um conjunto de bens.
O emprego no
Brasil ainda não conseguiu chegar a salários bons para todo o
mundo. Havia gente que achava que podia dar 30 reais, 1 real por
dia, a uma empregada. Essa pessoa não aceita mais trabalhar por
30 reais por dia. Mas ela quer trabalhar por um salário digno.
Tinha gente que dizia: mas a pessoa mora na minha casa, eu deixo
ela comer na minha casa, porque é que precisa de um salário?
Estamos mudando esse tipo de conceitos no Brasil."
Porque é que o Bolsa Família é entregue sobretudo às mulheres?
"O Presidente
Lula [que desenhou o programa, recriando outro criado pelo seu
antecessor Fernando Henrique Cardoso] é filho de uma família que
se superou graças ao poder da mãe e que não é exceção no Brasil.
Não tendo dinheiro, o que faço com ele? Invisto nos meus filhos.
Essa prioridade está presente nas mulheres. Então a chance que
esse dinheiro seja gasto maioritariamente nas crianças é maior
se for para a mulher. Dar à mulher significa que ela tem o
direito de gastar onde quiser, mas a prioridade dela são os
filhos, foi por isso que a gente tomou essa decisão.
No que é que as
famílias gastam? Em comida, roupa, calçado, material escolar,
medicamentos. Quando eles começam a melhorar de vida, começam a
usar o Bolsa Família para consertar o telhado, para comprar uma
coisa, uma televisão. Não pode comprar televisão? Pode. Achamos
que ter acesso à informação também é direito deles. Qual é o
problema? O povo tem direito de decidir onde vai gastar."
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